O MPLA, que fez hoje passar na Assembleia Nacional de Angola o Orçamento Geral do Estado para 2017, considera que o documento reflecte os “superiores anseios” dos cidadãos, apesar do contexto económico e financeiro internacional ainda sombrio. Concordamos. Superiores anseios dos poucos que têm milhões e não dos milhões que têm pouco… ou nada.
Numa declaração de voto, o líder da bancada parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, disse que as contas públicas angolanas se mantêm equilibradas e o país vai continuar a crescer. Só não vê isso quem não for do MPLA.
“Sempre o dissemos e repetimos mais uma vez, que para nós o crescimento económico é crucial para que continuemos a resolver os inúmeros e complexos problemas sociais do país. Sem crescimento económico não poderá haver a melhoria constante dos indicadores sociais do país, que é grande objectivo estratégico do MPLA”, referiu Virgílio de Fontes Pereira da bancada do partido maioritário.
Na mesma senda de satisfação ao patrão e patrono que a sustenta (pelo menos por enquanto), a representação da Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), o único partido da oposição a votar a favor do OGE para 2017, disse que apesar de todas as “imperfeições verificadas” no documento decidiu pelo “voto útil”.
Discurso divergente teve o antigo líder da bancada parlamentar da UNITA, o deputado Raul Danda, apontando inúmeras irregularidades no OGE para 2017.
O deputado do maior partido da oposição angolana criticou as verbas distribuídas por função, onde ao sector económico foi atribuído 17,66 por cento da despesa, o que contraria os objectivos da diversificação da economia.
Raul Danda referiu que o orçamento de 2017 atribuiu ao sector social 38,03% da despesa, 24,26% ao sector dos Serviços Públicos Gerais, 20,05% ao sector da Defesa, Segurança e Ordem Pública.
“Ora isso dificilmente alinhará no mesmo diapasão com a prioridade que se diz dar ao objectivo da diversificação da economia. É para fazer a diversificação da economia ou é apenas conversa para boi dormir”, questionou o deputado.
Por sua vez, o líder da bancada parlamentar da Convergência Ampla de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), André Mendes de Carvalho “Miau”, disse que a lei que aprova o OGE, que estabelece a sua execução peca ao longo deste tempo com uma série de insuficiências graves, para os quais aquela força política tem vindo a alertar, mas não são corrigidas.
“Por essa razão nós votamos contra”, justificou o deputado, referindo que uma delas é o facto de se criar reservas financeiras petrolífera para a construção de infra-estruturas de base, que não estão inscritas no orçamento.
“Se são infra-estruturas de base e queremos financiá-las para a sua execução por que é que elas não são inscritas directamente no orçamento, e cada uma delas com a sua receita, queremos estar a criar reservas financeiras para quê. Para nós isto cheira falta de transparência, razão pela qual não concordamos com ela”, criticou.
Já o líder da bancada parlamentar do Partido de Renovação Social (PRS), Benedito Daniel, criticou os valores irrisórios alocados ao sector da agricultura quando se pretende que seja o motor da diversificação da economia angolana, depois da crise petrolífera.
O OGE da repressão, como sempre
Desenganem-se os que pensam que o Orçamento Geral de Estado é um documento técnico feito por uns especialistas em economia, que reflecte necessidades técnicas. Não é. O OGE é um documento político que traduz em números as opções políticas do poder executivo.
É, aliás, o documento político mais importante em cada ano. Nessa medida, o que traduz politicamente o OGE de Angola para 2017? O mesmo que o de 2016. Uma simples palavra: repressão.
A opção política do OGE de 2017 é simples e está vertida nos respectivos números. A política do OGE de 2017 é a política da repressão. Só isso explica que a fatia dedicada à defesa, segurança e ordem aumente enquanto a parte respeitante a despesas sociais diminui.
A verdade é que, quando o povo sofre uma intensa crise económica, o Governo não se preocupa com os apoios sociais: preocupa-se com a repressão. Apenas assim é possível justificar que os ministérios com a maior dotação orçamental sejam a Defesa e o Interior e só depois surja a Saúde.
E, mesmo depois de a princesa-filha Isabel dos Santos dar a sua entrevista à BBC e dizer que o principal desafio com que se depara Angola é a educação, o orçamento da Educação desce em termos relativos, na distribuição de recursos pelos vários sectores. Em resumo, não há qualquer investimento real na educação.
Simultaneamente, as despesas com a Justiça também sofrem um decréscimo, nesse caso através de um corte efectivo.
Não há democracia se a justiça não funcionar. Não há liberdade se a justiça não funcionar. Olhando para os números, vê-se claramente o que pensa o Governo: o principal objectivo é manter o poder à força, o povo é irrelevante e a justiça deve ser acantonada e depauperada, para não ter qualquer veleidade.
É impressionante o modo como uns números aparentemente inócuos traduzem, na verdade, uma política assente na repressão. E, no entanto, até mesmo estas dotações são enganadoras.
Veja-se o caso da Defesa: um soldado das FAA ganha 22 000 Kz, menos de 100 dólares ao câmbio actual. Como é que tal é compaginável com o imenso orçamento da Defesa? Alguma explicação terá de existir para que os soldados ganhem menos do que os seguranças privados que guardam os bancos e do que as empregadas domésticas dos altos oficiais do exército. Ora, a estabilidade que um generoso orçamento para a Defesa sugere é enganadora. Este pagamento miserável aos soldados, que os coloca quase ao nível de escravos, não assegura qualquer modernização ou avanço das Forças Armadas.
E tem de colocar-se a seguinte questão: o governo, que tem medo de tudo, não tem medo de que estes soldados, sem logística adequada ou equipamento, sejam um foco de rebelião?
É que a divisão nas FAA acentua-se numa perspectiva classista: os generais têm tudo; os soldados não têm nada. A redução orçamental na Justiça coloca grandes perplexidades. Este decréscimo revela o quê sobre os magistrados?
Ultimamente, o ministro da Justiça, Rui Mangueira, tem desempenhado o papel de ministro das Relações Exteriores, defendendo, nas suas viagens ao exterior, a política torcionária do regime, ao invés de zelar pelo interesse da Justiça. Os magistrados parecem contentar-se com privilégios pessoais, como automóveis e casas, remetendo-se a um silêncio tumular acerca das condições de trabalho a que estão sujeitos. Será por isso que se escolhem juízes com fraca preparação técnica, quando há muitos e competentes juízes em Angola, que, no entanto, preferem manter-se à parte? O posto de magistrado depende mais da lealdade ao regime do que da competência?
É evidente que a diminuição das condições financeiras para o exercício da Justiça tem duas consequências óbvias: só os piores vão escolher esta área, rapidamente perdendo qualquer independência, porque esta começa sempre nas condições financeiras.
Em termos técnicos, há outras questões levantadas por este orçamento: a sua formulação e execução continuam a ser muito opacas, e o peso das verbas atribuídas às diferentes entidades e os subsídios previstos fazem adivinhar que prosseguirão, mais ou menos descaradamente, os fenómenos de tunneling, i.e., de fazer sair dinheiro do sector público para o privado.
Mais uma vez, tudo dependerá do comportamento do preço do petróleo. Se este subir, poderemos assistir a uma execução orçamental tranquila; contudo, se este se mantiver ao nível presente, será o caos. Não haverá dinheiro, na realidade. Em suma, estamos perante um orçamento politicamente repressivo e economicamente fictício.